terça-feira, 2 de outubro de 2018

Cicatrizes


Quando nasci de verdade, nunca enderecei essa escrita a alguém: Sou da família de esquecimentos. Mulheres, deslembravam os lugares. Robustezas. Não gozar de sua época. Histórias vívidas, para o futuro. Para gerações, para os porvires. Meu corpo se transporta para o verde, para a imensidão de um outro tempo. Um lugar dado. Rio, mata, silêncio. A quebradeira de água. O corpo seguindo o rio, o rio formando o corpo. Marcas constituintes de um corpo que tudo se dá. Entorna. Não conforma. A liberdade em se narrar já veio autorizada. A presença de uma avó muitas vezes subverte. De um gesto que introduz, legados. Ainda trago na memória um afeto livro. Os símbolos, que se inscrevem entre os corpos. Os olhares, as despedidas. O que nunca morre. O que vive em ato. As crianças são correntezas vívidas. Só correm com o que toca. A travessia da ponte. Janela aberta de mundo, desbravar enchentes, nadar entre pedras. Marcar os pés nas areias é imprimir sem se perpetuar. Afirmar a cada vez, o tamanho dos passos. Na roda o pulo mais alto é aquele que pulsa. Os pés são molas que a gravidade convida a se lançar. O taxamento a um corpo hiperativo apenas urge como uma série no mar; os desejos afogam ou emergem. Essa é sua metáfora. A batida do tempo convida os cabelos a dançarem com o ar. Vai e vem. Eis o tornado, tornar-se um corpo outro que só queria ser umbigo. Há um cordão em nós que não se corta. Ele sobrevoa. Para enxergar o que deixou e o que o torna pássaro.  As heranças são como pés, que caminham por si, sempre partindo de algum lugar. De tudo que uma memória poderia apagar, é do vívido a marca de um corpo que tudo faz incorporar.