sábado, 3 de setembro de 2022

 

Em mim a que escreve: quer-me testemunha de sua presença


Pisco algumas vezes

Em tateantes pálpebras 

Que ainda não se abrem


Ao sonoro sopro

Das imagens perdidas 

(esmiuçadas pelas salivas ante as águas dos olhos; em sal)


Entre-ver

Como quem nega o já visto

Como quem corre-deseja 

Desvios


Vestir-se das penumbras que desmoronam

Ao redor

E sustentar o olhar na fechadura 

Que restitui escombros



VOZES

Poderiam dizer-nos que ressoam
Sob à a espécie de corpos
Sutis

Derivam sobre as promessas
Fazem nomeações
Mas não
Soletram gestos inomináveis

Que há dias que mal acordo para a escuta
— À essas

E por isso
Os poros sussurram
E então posso dar ouvidos
Aos estremecimentos da pele

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Ir

 A aprendizagem do amor floresce

 Afirmando todas as partidas

Que se anunciam

Que podem não ser as suas
Que acabam sendo

Nestes ventos que percorrem o outro;

A voz dos sussuros
Enternecidos da pele
Decrescem escadas escuras
E lançam luz
Aos olhos
De suas faíscas corações

domingo, 28 de novembro de 2021

Hiância

O vermelho
De uma carne trêmula
Treme íntimo o desejo
Tateador e aflito
Em sua hiância
De pouso
De voô

A pele
Suporte fino do toque
Cede aos poros o estremecimento
Ao que em si geme
O anúncio de outros tempos
Tempos verbais
Outros

Entre-tempos
O desejo nos olha
Entre-tempos
O desejo nos olha?

Arar um nome

Chamo teu nome
Será que chamo pelo teu nome próprio?

Ao que não existe
A convocação
A dar a existência

Sob os contornos finos
Anunciam-se tipografias
Traços e marcas
As origens do mundo

Nomes, sobrenomes, heterônimos, codinomes ou nomes a espera de uma lacuna?

Um nome-chão para se sustentar
Terreno baldio
O vazio para arar

Pós-Scriptum

Há sempre um pós-escrito
Um resto de memória
A se dizer

Não se diz tudo
Por isso insiste,
A nossa fala
A nossa falta

Avisto os destroços que se movem
Como podem caminhar ante a perda?

Reticências começam e terminam
Breves histórias
Que alongamos 

Em viver

sábado, 18 de setembro de 2021

Ancestrais

 


Faço de mim
Uma palavra
Que me antecede
Antes de meu nascimento

Fui me tornando
Verbo
Letra
Símbolo
Das línguas
Que me falavam

De minhas ancestrais
Sou frase inteira
E também lacunas

Percorridas
Pelos tambores do tempo

Vivo no hoje a escritura
Do que fui e estou sendo
Ando em travessia
E ergo
Essas muitas vozes
Adentro

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

ASAS PARTIDAS

 

Minhas Asas

Umedecidas batidas partidas cortadas pela vida

Lâminas que eu mesma afiei

Em fatias o tempo

Entra em uma latência

E me despedaça

 

Desejos vorazes de impermanência

Onde se demorar?

Onde não há ar?

A boca assopra forte

Um vendaval espana  tudo que é imóvel e morto

Subvertem-se pápeis, folhas, direções

Não há o que norteie o novo

É grito, é choro, é reza, é vela, é foice, é móvel, é força

 

Ah companheiro

Somos mulheres do terceiro mundo

E por vezes o binário nos escapa

O ventre é nosso triunfo

 

A navalhadas

Estamos sendo o que mais tememos

E descobrimos que o que mais tememos

É ter medo de não sermos

O que podemos ser

Quando estamos sendo

sábado, 21 de agosto de 2021

MÁTRIA CIDADE

Meu corpo cidade
Tem linhas, setas e horizontes
Arariboia, pontes  e mar

Meu corpo metáfora
Anuncia em sua pele todas as marcas
Polifonicas oriundas desse lugar

Meu corpo beira
Os contornos desse vasto mundo
Que em mim se estendem
Elastificando suas moradas
Aos que pousam

Meu corpo fenda
Abre as divisas dessa cidade Mátria
De onde engendram
Os verbos da vida

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

MANICÔMIO

 A história 

O sujeito interditado

O legado


Em rebeldia

A palavra é amordaçada

Uma camisa contra essa força


Uma pessoa

Alguns familiares

Muitos trabalhadores

Uma luta jamais perdida

 

Querem silenciar essas vozes

Querem seus corpos implodindo 

Dentro dos muros


Isso faz falar

Não há como calar

O barulho que explode

Na vida em democracia 



 




sábado, 3 de outubro de 2020

FORCA DOS NOVOS DIAS


O pulmão
Abastado
De ar
Preso

Na casa
Oxigênio falta
O gás alastrou
Os cômodos
Sufoco


A rua
A fumaça cinza

Os carros
A nova presença

Nos corpos
O presidente
Asfixiou
O presente

terça-feira, 11 de agosto de 2020

ESTORVO

 

Um contratempo

Explodiu em meu rosto

Um vulcão dentro

Jorra sua lava

O espelho me mostra

O “Isso

Que já não consigo escapar

Um buraco de angústia

Ela que me persegue

Ela que eu não queria ver

Ela que eu não queria saber

Ela que agora

Escancara-se a mim

A outros olhos

Que me olham nela

A expurgo ou permito que saia em seu tempo?

Decido tocá-la

Faço força

Para que saia do meu olhar

A encaro tete à tete

Ela não sucumbe à pressão

Cresce maior

Percebo que ali algo persiste

Algo logo ali

Contém o mundo

Que sinto

Eu sinto

Por me sentir assim

Tudo sente aqui

Latente

Um quase tudo que não impele

Hoje em dia ela dá

Dá as caras

E se mostra

Para fora

Por

Um contratempo

Que anda

Explodindo

O meu corpo

quarta-feira, 22 de julho de 2020

OBSCURO OBJETO DO DESEJO

Atrás
Dos passos
Marcados na areia
Diluem-se

Busco
A captura daquela cena
Decomposta
Pelo tempo

São restos de memória
Meus
Que a terra
Come

O quadro com bordas
De vazio dentro

Escavo a imagem
De seu pertencimento

Toco o fio
Que não posso ver
O que vejo
Me
Escapa

A incessante
Procura
Daquilo
Que nunca
Poderá
Ser
Encontrado

CORRENTE



Meu avô
Moreno, era como o chamavam
Meu avô tinha mania de limpeza
Emprestava seu corpo
Negro
E com as mãos
Esfregava
Os vasos, os vidros, o chão
Queriam dele
Tudo branco
Ele apagava as marcas

Meu pai
Pantera, é como o chamam
Meu pai sempre teve mania de conserto
Para cada convicção enferrujada
Uma ferramenta
Para polir asperezas

Ele desoxida camadas ultrapassadas
Não guarda nada
Faz funcionar

Aos carros emperrados
Rodas que deslizam
Pelas quebradas
Pela monotonia
Pelos concretos da vida

Sua oficina
Uma máquina de potencializar
Presença

Com um aprendi a não remover as memórias
Com outro aprendi  a consertar a afonia

Meu pai é verbo de ligação
Às vezes também me faltam molas
Mas eu não emperro
Porque ele me ensinou
Que quando estou em movimento
Minha palavra é chave

segunda-feira, 18 de maio de 2020

NERVURA


Por toda parte

Veias vermelhas

À procura de bifurcações

 

As lâminas da vida

Fatiam agora

Desejos antes

Interrompidos

 

Sobre ruas concretas

Seios abertos

Invadem

Certezas Amórficas

FLOREIO



Desemboto feito flor 

Que é quando

Me abro

Para aquilo

Que

 Me olha

APETITE




Tenho fome
Da fome

Que fome a vida
Faz

Faz a vida da fome
Devorar-me

Quando apenas queria
A
Ser causa



O desejo é uma companhia
Que nunca viaja